Há 60 anos o povo saiu à rua!

Exposições e ações de rua sobre os 60 anos das manifestações de maio de 1962

4 Maio 2022 |

A primeira iniciativa realiza-se já esta sexta-feira, no Largo do Intendente, em Lisboa, entre as 14 e as 20h, e junto ao Coreto do Jardim da Cova da Piedade, em Almada, entre as 15h e as 19h. Novas ações estão agendadas para dia 8, em Setúbal, e dia 14, em Beja.

A associação cultural CULTRA, em parceria com várias entidades do movimento associativo e cultural, grupos de teatro, cineastas, unidades de investigação académica e investigadores, ex-presas e presos políticos, ativistas sindicais e políticos do período revolucionário, mulheres e homens de todas as correntes da resistência antifascista e dos combates da Revolução, está a organizar um largo conjunto do iniciativas para assinalar o cinquentenário do 25 de Abril e da Revolução portuguesa de 1974/1975.

A programação “Abril é Agora” inclui exposições e ações de rua sobre os 60 anos das manifestações de 1 e 8 de maio de 1962 e sobre as greves pelas 8h de trabalho.

A primeira iniciativa “Há 60 anos o povo saiu à rua!” realiza-se já esta sexta-feira, no Largo do Intendente, em Lisboa, entre as 14 e as 20h, e junto ao Coreto do Jardim da Cova da Piedade, em Almada, entre as 15h e as 19h.

Novas ações estão agendadas para dia 8, em Setúbal, na Avenida Luiza Todi, entre as 9h30 e as 12h30, e na zona ribeirinha, entre as 15h e as 18h.

No dia 14 de maio será a vez de o centro de Beja ser palco de uma exposição e ação de rua sobre as greves pelas 8h de trabalho.


1961-62: Há 60 anos o povo saiu à rua!

Em 1958, a campanha presidencial do general Humberto Delgado desencadeou uma poderosa mobilização popular antifascista. Mas, mais uma vez, as eleições foram uma fraude. Seguiram-se greves e manifestações de protesto na zona de Lisboa e no Alentejo, principalmente. O descontentamento popular crescia e radicalizava-se.

O ano de 1961 foi terrível para Salazar. A guerra colonial em Angola; o desvio do paquete Santa Maria, denunciando a situação em Portugal; o desvio de um avião da rota Casablanca-Lisboa, lançando panfletos sobre a cidade; a invasão de Goa pela União Indiana, a conspiração de ministros e oficiais superiores contra Salazar.

Nas eleições de Novembro para a Assembleia Nacional, o governo usou todo o tipo de prepotências. Não estavam reunidas condições para as oposições concorressem. Em Coimbra, Lisboa, Almada, Ermidas, Covilhã, Barreiro, Grândola, Alpiarça, no Couço há grandes protestos contra a farsa eleitoral. Reclama-se amnistia para os presos políticos, o regresso dos soldados de Angola; grita-se “Fora Salazar”, “Abaixo a burla eleitoral”…

 

As Manifestações de Almada contra a farsa eleitoral

A 11 de Novembro trabalhadores da Margem Sul concentram-se na Cova da Piedade e arrancam para Almada. Ao longo do caminho muitos populares vão-se juntando ou saudando das janelas. É vencida uma primeira barreira policial, depois outra ainda e já perto da Academia Almadense, um contingente fortemente armado reprime a manifestação. Durante muito tempo há confrontos com a polícia. Há manifestantes que pedem armas.

Durante os confrontos, a polícia dispara. Cândido Capilé, jovem operário corticeiro, militante comunista, é assassinado por uma rajada de metralhadora. No seu funeral, a 14 de Novembro, Almada é ocupada por forças policiais fortemente armadas. Mas juntam-se milhares de pessoas no largo de Cacilhas aguardando o funeral, que a PIDE desvia para o cemitério de Benfica, o que faz aumentar a indignação. Há cargas violentas sobre a concentração de populares. Obrigados a dispersar, reagrupam-se em vários locais com manifestações e protestos até ao final do dia.

 

 

A crise académica de 1962

As Direcções das Associações Académicas em Coimbra e na Faculdade de Direito, em Lisboa, desafectas ao regime, realizam grandes assembleias, convívios com estudantes de ambos os sexos, defendem a criação de um Secretariado Nacional. Em Março, o Governo proíbe o I Encontro Nacional de Estudantes, mas que se realizará, defendendo a democratização do ensino e do acesso à Universidade.

As comemorações do Dia do Estudante são também reprimidas. Há estudantes presos. É decretado o luto académico, suspenso com a sua libertação. O governo insiste na proibição do Dia do Estudante. Uma manifestação de protesto é reprimida pela polícia, o que origina novo luto académico em Lisboa e Coimbra.

Em Maio, os estudantes ocupam a Cantina da Cidade Universitária, em Lisboa, e um grupo entra em greve de fome. A polícia invade a cantina. Há estudantes feridos e presos. Ao luto académico sucede-se a greve estudantil, que se prolonga até à época de exames.

Estes acontecimentos representam um importante passo na luta pelo direito à associação e na consciencialização política dos estudantes.

 

Dois mineiros assassinados em Aljustrel

Nas vésperas do 1º de Maio, Dia do Trabalhador, preparam-se manifestações por todo o país. No Alentejo, a GNR reforça o patrulhamento. Na importante vila mineira de Aljustrel, são presos preventivamente 15 trabalhadores. Insurgindo-se contra estas prisões, na noite de 28 de Abril dois foguetes lançados no largo da feira chamam o povo a uma manifestação, que desfila pelas ruas da vila. Grita-se “Abaixo a guerra de Angola!”, “Amnistia, amnistia”, “Abaixo o salazarismo”.

Os esforços da GNR para impedir que o povo se juntasse não tinham resultado e receiam que o posto seja assaltado para libertar os trabalhadores presos a aguardar transferência para a PIDE, em Lisboa. A Guarda sai ao encontro dos manifestantes para dispersá-los. Estes reagem à pedrada, de novo.

É então que a GNR responde a tiro. Há correrias, mulheres e crianças derrubadas e dois trabalhadores são mortos pelas balas da Guarda – António Adângio, 27 anos, comunista e Francisco Madeira, 41 anos, ambos mineiros, enquanto outros são feridos com gravidade, entre os quais duas mulheres.

 

As jornadas de Maio

No 1º de Maio de 1962 realizaram-se grandes manifestações no Porto, Setúbal, Lisboa, bem como na Margem Sul – Baixa da Banheira, Almada, Barreiro.

Em Lisboa, milhares de pessoas concentram-se na Praça do Comércio e desfilam pelas ruas da cidade. A polícia carregou à coronhada e à bastonada sobre os manifestantes, que respondiam, uns à pedrada, outros gritando “bandidos”, “assassinos”. Estêvão Giro, um jovem operário, comunista, seria assassinado em plena rua e é atingida uma rapariga que assistia à janela. Ao longo da tarde e início da noite sucedem-se novas manifestações e novos confrontos com a polícia, que se estendem por toda a zona central da cidade.

No Porto, a polícia usa jactos de água para dispersar milhares de manifestantes, que se reagrupam e se manifestam até à noite.

A 8 de Maio realizam-se novas manifestações no Porto, em Lisboa e em Almada, assinalando a derrota do nazi-fascismo em 1945.

Em Lisboa, as cargas da polícia de choque são impiedosas, mas grupos de acção respondem à pedrada e à paulada noite dentro. A fúria da polícia encontrava pela frente a combatividade e a coragem de sectores operários e de trabalhadores, dispostos a enfrentar as forças repressivas e reclamando armas para derrubar Salazar.

 

Setúbal, 28 de maio de 1962,

A 28 de Maio ainda se organizam novas manifestações protestando contra o golpe militar de que instituiu a ditadura em 1926, como em Setúbal ou em Grândola.

Em Setúbal. O apelo à manifestação é feito pela pela Junta de Ação Patriótica e pelo PCP. Dezenas de jovens concentraram-se na Praça de Bocage, gritando “Fora a tirania”, “Na queremos Salazar no poder”, seguindo em manifestação para a Avenida Luisa Todi, apedrejando o edifício da CGD e virando carros para impedir o avanço das forças policiais. Há durante horas confrontos nas ruas da Baixa de Setúbal e noutros locais, tendo sido igualmente apedrejadas as instalações da Mocidade Portuguesa e da FNAT. Mais de três dezenas de jovens foram presos pela PSP e posteriormente entregues à PIDE.

 


A jornada das 8 horas nos campos do Sul

No sul do país, onde predominava o trabalho de sol a sol, 1º de Maio já tinha sido muito participado, mas, desde Abril que se intensificavam as lutas e movimentos pelas oito horas de trabalho, e também pelo aumento da jorna, coincidindo com o período das ceifas, envolvendo dezenas de milhares de assalariados rurais.

O movimento alastrará a praticamente todo o Alentejo, a partir dos concelhos do Litoral. Logo a 2 de Maio, em Alcácer do Sal e Grândola, realizam-se concentrações e greves nas praças de jorna, locais das vilas e aldeias onde se juntavam os trabalhadores rurais para serem ajustados por feitores e agrários. Noutros locais, grupos de trabalhadores vão de rancho em rancho, pelas herdades, apelando à greve. A luta pelas 8 horas prolongou-se pelo Verão e alastraria também ao Ribatejo, a localidades como Alpiarça, Coruche ou no Couço, onde também ocorreram greves e concentrações.

As greves foram vitoriosas em muitos locais e na maior parte bastou um dia de greve para conquistar as 8 horas, noutros como em Montemor-o-Novo, Avis ou Ervidel foram necessários vários dias e em Benavila a greve durou três semanas.

 

Na região de Beja

No Primeiro de Maio, na região de Beja já cerca de um milhar de trabalhadores havia paralisado e na Aldeia Nova de S. Bento e Baleizão mais de três mil. Nas movimentações das semanas seguintes em S. Matias, Messejana ou Aljustrel foram conquistadas as 8 horas de trabalho. Em Baleizão a greve durou dois dias e em Ervidel quatro, onde além das 8 horas foi também conquistada a jorna de 40$00, valor superior ao revindicado na maioria dos locais.

 


A repressão foi brutal com aldeias cercadas, casas assaltadas e centenas de prisões, mas no final de 1962, a jornada de trabalho de 8 horas nos campos do Sul adquiria uma significativa amplitude.

Com a capacidade de iniciativa e de mobilização, com a combatividade demonstradas nas lutas de 1961-62, fosse entre os trabalhadores e o povo das cidades, entre os estudantes ou entre os assalariados rurais dos campos do sul, a luta antifascista adquiria novo impulso, radicaliza-se e nos anos seguintes, até ao 25 de Abril de 1974 nada mais seria como dantes. Era o princípio do fim.