Abril é Agora homenageou Maria Teresa Horta

Abril é Agora homenageou Maria Teresa Horta

31 Outubro 2022 |

No passado sábado, a escritora e jornalista Maria Teresa Horta participou num tributo que lhe foi prestado pelo Abril é Agora, e que contou também com a presença de Helena Neves, sua amiga e colega de trabalho e ativismo na revista Mulheres, projeto que ambas encabeçaram no pós 25 de Abril.

A iniciativa, que teve lugar na Biblioteca Palácio Galveias, em Lisboa, reuniu todas aquelas e todos aqueles que fizeram questão de, desta forma, homenagear a resistente antifascista e intransigente lutadora pela Liberdade, que tão bem nos tem demonstrado o quão poderosa e emancipatória pode ser a palavra.

A sessão teve início com um vídeo de cerca de oito minutos, contendo excertos de uma entrevista promovida pelo Abril é Agora a Maria Teresa Horta. Seguiram-se intervenções de Helena Neves, feminista, professora universitária e investigadora nas áreas de Filosofia, Sociologia, Estudos sobre o Género e História de Movimentos de Mulheres, e de Mariana Carneiro, jornalista do Esquerda.net e autora do projeto Mulheres de Abril.

No final da sessão, houve ainda um momento de poesia, com a leitura de poemas de Maria Teresa Horta pela própria, por Helena Neves e pela atriz Carolina Serrão.

Maria Teresa Horta, escritora e jornalista, conta com mais de 60 anos de vida literária. Na realidade, podemos dizer que a literatura, a poesia, lhe “corre no sangue”. A biblioteca do seu pai era o seu lugar mágico, onde viajava no tempo e no espaço, e onde encontrou também inspiração para os primeiros poemas que escreveu, quando era ainda uma “catraia”.

A sua vida foi igualmente norteada por “mulheres de peso”, entre as quais se destacam a sua mãe e a sua avó paterna, que serviram de referência e de bússola ao longo do caminho que foi trilhando. E esse caminho foi sempre de resistência e, mais do que isso, de luta.

Impôs-se, ainda antes do 25 de Abril, num meio jornalístico profundamente machista e patriarcal, como o era, aliás, a sociedade portuguesa. Passou por inúmeras publicações, como é o caso do Diário de Lisboa, A Capital, República, O Século, Diário de Notícias e Jornal de Letras e Artes, entre outras. N’A Capital esteve à frente do suplemento Literatura e Arte, por onde passaram nomes como Alexandre O’Neill, Natália Correia, Ary dos Santos, Mário Cesariny, entre tantos outros.

Maria Teresa Horta ousou ainda ser diretora de um cineclube, o ABC, numa altura em que o movimento cineclubista tinha um peso considerável na luta política de resistência à ditadura. “Pobre país este, que já tem mulheres diretoras de cineclubes”, exclamava César Moreira Baptista à época.

Autora de uma extensa obra, a escritora viu o seu livro de poesia Minha Senhora de Mim apreendido pela PIDE oito dias após a sua publicação. Posteriormente foi alvo de uma feroz perseguição e de um processo de pura humilhação. Chegou a ser fisicamente agredida em plena rua: “É para aprenderes a não escreveres como escreves”, disseram-lhe.

Foi exatamente na sequência do escândalo provocado pelo livro Minha Senhora de Mim, e da perseguição de que foi alvo a sua autora, que Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa decidiram desafiar o regime fascista e “tecer”, a seis mãos, a obra Novas Cartas Portuguesas, publicada há 50 anos.

O regime fascista considerou o conteúdo de Novas Cartas Portuguesas “insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública” e ameaçou com uma pena entre seis meses a dois anos de prisão. As “Três Marias” foram alvo de uma tentativa implacável de as humilhar e intimidar e de fingir que não se tratava de um processo político. Mas Marcelo Caetano não contava com a inédita onda de solidariedade internacional que se gerou. Simone de Beauvoir, Marguerite Duras e Christiane Rochefort receberam cópias da obra e despoletaram um conjunto alargado de iniciativas em solidariedade com Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa.

O julgamento coincidiu com a primeira conferência internacional de mulheres, que teve lugar em Boston, entre 3 e 5 de junho de 1973. As Novas Cartas Portuguesas foram o tema central deste encontro, e adotadas como a primeira causa feminista internacional. As mulheres presentes na iniciativa comprometeram-se a dar apoio a esta causa em cada um dos seus países. E as ações internacionais de solidariedade foram-se multiplicando.

A leitura da sentença chegou a estar marcada, após um primeiro adiamento, para o dia 25 de Abril de 1974. Mas a Revolução dos Cravos fez cair o regime fascista, e a sessão final acabou por decorrer a 7 de maio de 1974, com a absolvição das três escritoras.

Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno estiveram na origem da criação do Movimento de Libertação das Mulheres, que reuniu mulheres de várias classes sociais e constituiu um espaço de partilha, denúncia e de visibilização das várias opressões machistas existentes. A manifestação organizada por este movimento a 13 de janeiro de 1975, e a violência machista com que esta foi recebida, foi ilustrativa do longo caminho ainda a percorrer no sentido da efetiva libertação das mulheres.

Convidada pelo Partido Comunista Português, da qual foi militante entre 1975 e 1989, a chefiar a redação da revista Mulheres, Maria Teresa Horta entrevistou mulheres com grande reconhecimento na área da política, cultura e literatura, entre as quais figuram Marguerite Duras, Maria Bethânia, Maria de Lourdes Pintasilgo ou Marguerite Yourcenar. Esta revista tornou-se numa experiência inédita, ímpar até aos nossos dias, enquanto baluarte das lutas feministas e espaço de representatividade de todas as diferentes realidades vividas pelas mulheres portuguesas.

Distinguida com inúmeros galardões, em 2011, Maria Teresa Horta, ainda que aceitando o Prémio D. Dinis pela sua obra As Luzes de Leonor, recusou recebê-lo pelas mãos de Pedro Passos Coelho, a quem acusou de querer “destruir o país”.

A vida de Maria Teresa Horta tem sido pautada por uma luta intransigente pela Liberdade, sendo um exemplo de coragem e determinação que a todas e todos nós deve inspirar no âmbito de todas as lutas e de todas as causas para as quais somos convocados.